Em série de fotografias, a artista visual e arquiteta revela as memórias guardadas em antigos imóveis de Belo Horizonte que se encontram em meio à transformação da paisagem urbana
No bairro Sion, em Belo Horizonte, o comércio coberto por tapumes é descoberto pela lente da artista visual e arquiteta, Mariângela Haddad, em uma série de 11 fotografias e duas montagens fotográficas que compõem a exposição Por trás do tapume, a ser inaugurada na Piccola Galleria da Casa Fiat de Cultura no dia 8 de maio. A pesquisa da artista ultrapassa a função elementar da fotografia, que seria a fotografia de registro, para encontrar uma fotografia expressiva; revela a vida que pulsa nos espaços fadados à transformação arquitetônica. Assumindo o papel do flâneur, Mariângela vaga pelas ruas da cidade com o objetivo de experimentá-la, atenta às suas nuances, um exercício de deriva que se firma na descoberta e documentação fotográfica de espaços sujeitos às mudanças do crescimento urbano. O ensaio é, assim, resultado da coleta de memórias que permeiam esses espaços, do cotidiano das pessoas que ali vivem e trabalham, com a consciência de que novas histórias serão construídas. A mostra fica em cartaz até 24 de junho e tem entrada gratuita.
Nas obras existe uma rica textura visual, provocada pelas marcas espontâneas deixadas durante um longo período de tempo nos ambientes fotografados. É possível verificar diversos recados e anotações nas paredes ou em papeis fixados em todo tipo de suporte; recortes de jornais; calendários; manifestações de religiosidade ou fanatismo esportivo; acúmulo de material de trabalho, linhas, tecidos, espumas; paredes descascadas e outros sinais de precariedade.
A partir deste trabalho, Mariângela Haddad reúne rastros de histórias que fatalmente se perderão com a chegada de novas tecnologias e a inevitável transformação da paisagem urbana num antigo bairro da cidade. “O imóvel da reformadora de sofás que fotografei, por exemplo, foi demolido em junho de 2016 e no terreno foi construída uma drogaria. Esses lugares por onde andei guardam em si uma rica memória, agora materializada e preservada pelos meus registros”, afirma a artista.
A mostra “Por trás do tapume” é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e da Casa Fiat de Cultura, com o patrocínio da Fiat Chrysler Automóveis (FCA), Banco Fidis, Fiat Chrysler Finanças, Fiat Chrysler Participações e Banco Safra. A exposição conta com apoio institucional do Circuito Liberdade, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Iepha), Governo de Minas e Governo Federal.
A história por trás dos tapumes
Durante o período de flânerie por Belo Horizonte, Mariângela Haddad detecta inúmeros tapumes de obras em andamento, que despertam sua curiosidade e passam, então, a ser objeto de sua pesquisa, como explica: “um tapume tampa, esconde, protege. Permite interferências na estrutura e nos elementos arquitetônicos desse espaço, sem o testemunho dos passantes. Pressupõe uma mudança na ordem anteriormente estabelecida, sobre o que era e sobre o que será”. Instigada a descobrir as histórias passadas e futuras destes espaços é que a artista inicia sua série fotográfica.
Durante um mês, Mariângela percorre as ruas do bairro Sion, onde mora, e destaca três ambientes comerciais em seus registros: um ateliê de molduras e pátina de móveis, uma reformadora de sofás e uma oficina de bicicletas. A escolha se dá pela semelhança entre os três: estão instalados no bairro há muitos anos, têm uma aparência degradada pela ação do tempo, são entulhados de encomendas e, com pouco espaço para trabalhar, espalham seus equipamentos pela calçada. “Meu olhar se volta para os pequenos ofícios que resistem à ação do tempo, ao avanço tecnológico e mesmo às mudanças imobiliárias. Ocupam espaços fadados à reforma ou demolição, na medida em que o crescimento da cidade provoca modificações e uma assepsia da arquitetura urbana. Documento as paredes desses ambientes de trabalho, olhando para elas como um diário do cotidiano. Imagino futuros tapumes a cobrir esses espaços e tento capturar a história que vai se perder”, conclui a artista.
Mariângela Haddad
Na década de 1970, ainda na adolescência, Mariângela desenhava e pintava seus cadernos, poesias, retratos de amigos, e hesitava em entrar para uma escola de Belas Artes por “não ter a menor ideia de como uma artista ganhava a vida”. Em 1975 se mudou para a França, onde se formou em arquitetura na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris. Ali a arquitetura dividia espaço com as outras belas artes e por elas Mariângela era impregnada, frequentou ateliês de pintura e desenho. Nessa época, trabalhou com uma ilustradora italiana de livros infantis e, finalmente, vislumbrou uma possibilidade de trabalho como artista plástica.
De volta ao Brasil em 1980, iniciou a carreira de ilustradora de livros infantis didáticos e de literatura. Trabalhou para a maioria das editoras nacionais e, em 1986, publicou seus primeiros livros como escritora – “Zé Zulu, malvado e mal-humorado” e “Mequetrefe quer um amigo”. Atualmente, tem publicados 9 livros escritos e mais de 150 livros ilustrados. Como escritora, recebeu o Prêmio Barco a Vapor, da Fundação SM (São Paulo, 2009), pelo livro “O sumiço da pantufa”, e o Prêmio CEPE Nacional de Literatura Infantil, da Editora CEPE (Recife, 2011) pelo livro “O mar de Fiote”. Em 2014, “O mar de Fiote” foi finalista do Prêmio Brasília de Literatura Infantil e adaptado para o teatro pelos alunos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sob a direção do prof. Luís Reis, tendo recebido o Prêmio Especial do Júri no 28º Festival de Teatro Universitário de Blumenau (FITUB). Como ilustradora, recebeu o prêmio NOMA de Incentivo (Japão, 1996), pelas ilustrações do livro “Cantos de Encantamento”, de Elias José, e várias menções Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (Rio de Janeiro). Seu livro “Minha vó sem meu vô” recebeu o Prêmio Jabuti 2016, da Câmara Brasileira de Livros, na categoria Ilustração para Livro Infantil ou Juvenil.
Em 2011, como artista convidada, frequentou durante sete meses o ateliê de xilogravura da Escola Guignard, onde desenvolveu, sob a supervisão da professora Maria Emília Campos, cerca de 25 xilogravuras para ilustrar o livro “Que vida eu quero ter?”, de Susana Fernandes. Provocada em outras linguagens artísticas, volta à Escola Guignard em 2012, dessa vez como aluna, estudando Artes Plásticas pela Escola Guignard, com habilitação em Pintura, Cerâmica, Fotografia e Gravura em Metal.
Piccola Galleria
A Piccola Galleria da Casa Fiat de Cultura é um espaço de permanente incentivo às expressões artísticas que foi criado em 2016, destinado a novos artistas. A proposta é apresentar e destacar trabalhos inéditos – pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, fotografias, instalações, performances e/ou videoarte – de artistas locais, brasileiros ou estrangeiros.
O espaço, situado ao lado do painel “Civilização Mineira”, de Candido Portinari, no Hall Principal da Casa Fiat de Cultura, abriga exposições de curta duração, mas com toda visibilidade que a instituição enseja. No espaço são realizados dois tipos de mostras: aquelas programadas pela própria Casa Fiat de Cultura e as destinadas a artistas que inscreveram seus trabalhos, por meio de um processo de seleção realizado anualmente. Local intimista e com grande circulação de público, a Piccola Galleria conta com a chancela da Casa Fiat de Cultura e do Circuito Liberdade, um dos mais importantes corredores culturais do país.
Dentre os 97 inscritos no 2º Programa de Seleção, seis foram escolhidos: Fernanda Fernandes (Belo Horizonte), Wendell Leal (Belo Horizonte), Mariângela Haddad (Ponte Nova-MG), Maíse Couto (Belo Horizonte), Ildeu Lazarinni (Belo Horizonte) e Miro Bampa (Vinhedo-SP). Os trabalhos, inéditos e com técnicas diferenciadas, reúnem fotografias, aquarelas, pinturas a óleo e acrílica, instalação e assemblages.
Casa Fiat de Cultura
Há 12 anos, a Casa Fiat de Cultura cumpre importante papel na transformação do cenário cultural mineiro, ao apresentar, em Belo Horizonte, algumas das mais relevantes e prestigiadas exposições já realizadas no Brasil. Foram mais de 40 exposições de consagrados artistas brasileiros e internacionais, além de mostras de artistas que despontam na cena contemporânea. Sua contribuição à renovação da produção artística e à formação de público se estende por meio de uma programação diversificada de música, palestras e de um Programa Educativo que propõe conceitos e reflexões no diálogo com o público em visitas mediadas e nas práticas promovidas no Ateliê Aberto, um espaço de experimentação artística livre. A Casa Fiat de Cultura integra um dos mais expressivos corredores culturais do país, o Circuito Liberdade, em Belo Horizonte. Em sua sede no histórico edifício do Palácio dos Despachos apresenta, em caráter permanente, o simbólico painel de Portinari, Civilização Mineira, de 1959. Mais de 2 milhões de pessoas já visitaram suas exposições e 350 mil participaram de suas atividades educativas.
SERVIÇO
Exposição “Por trás do tapume” – Mariângela Haddad na Piccola Galleria da Casa Fiat de Cultura
8 de maio a 24 de junho de 2018
Terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h
Entrada gratuita
Casa Fiat de Cultura
Circuito Liberdade
Praça da Liberdade, 10 – Funcionários – BH/MG
Horário de funcionamento: terça a sexta, das 10h às 21h – Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h
Informações
(31) 3289-8900
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